quarta-feira, janeiro 17, 2007

Direito de matar

Digam o que disserem, dêem-lhe o nome que lhe derem, há coisas que não se conseguem esconder.
O que vai a referendo no próximo dia 11 de Fevereiro é o direito de suprimir uma vida. E de a suprimir por mera vontade da mãe, sem quaisquer outras razões. Será que os defensores do sim lhe chamam mãe? Será que lhe chamam somente mulher? Será que só lhe chamariam mãe caso a criança viesse a nascer? Ou apenas tivesse escapado àquilo que pudicamente – e com bem menos verdade – chamam interrupção voluntária da gravidez? Porque, ligado ao referendo, é bem menos que isso: aí, o nome devia ser completado com tudo o mais que condiciona a respectiva permissão e a (consequente) despenalização. A interrupção voluntária da gravidez, sem mais nada e fora as excepções legais já existentes, essa é para continuar a ser considerada crime. Só o não será se, efectuada por desejo da mulher (grávida do feto que se pretende destruir, entenda-se), o for apenas nas primeiras dez semanas (após a concepção, entenda-se também) e em estabelecimento de saúde legalmente autorizado. Com o que, em alegado nome de um – mitigado… – direito da mulher ao seu próprio corpo e ainda da saúde pública, se permitirá que qualquer grávida possa, sem incorrer em punição, promover a morte do ser vivo que traz dentro de si – verificados que sejam o pressuposto temporal e o sanitário. Sem eles, zás, aqui temos de novo o crime! E o processo. E o julgamento. E as cenas habituais dos abortistas à porta do tribunal. E a pressão sobre os juízes. Porque, não nos iludamos, no país que somos e na sociedade que temos, medidas destas não vão pôr termo ao aborto clandestino. Neste país que somos e na sociedade que temos – com as crianças a fazerem-se sem se pensar nisso (e sem nada ser dito e muito menos empreendido para que nisso se pense) – não é de esperar que todas as mulheres descontentes com uma gravidez mais ou menos acidental passem a recorrer para o efeito à clínica privada (e interessada, se for disponível) ou às bichas do Serviço Nacional de Saúde. Nem sequer é isto o objectivo dos paladinos do aborto livre, do pleno direito à barriga, etc. – os mesmos da manifestação à porta dos tribunais, os que querem as medidas ditas fracturantes da ordem emergente da cultura que (bem a custo, diga-se) conseguiu, e só na segunda metade do século XX, dar a máxima realização prática ao preceito de não matar. Para eles, esta será apenas uma brecha, uma mais, na muralha civilizacional que ainda se opõe ao que, pretensamente em nome da vida, em última análise defendem: uma cultura de morte.
Álvaro Monjardino
Hoje no Açoriano Oriental (para assinantes).

1 Comments:

Blogger PA said...

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